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MOAB: Na Bíblia a inspiração. Na reflexão a origem.

Na terra do Ribeira, região sul do Estado de São Paulo, o povo das comunidades rurais tomou consciência mais profunda de sua história a partir da chegada ao município de Eldorado das religiosas da Congregação das Irmãs de Jesus Bom Pastor, as “Pastorinhas”.

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Chegaram em Eldorado em 14 de fevereiro de 1.986 as Irmãs Carmelita Daniela e Augusta acompanhando as Irmãs Sueli, Lurdinha e Beth que ficaram para o trabalho missionário e dar início a uma nova caminha

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Elas vieram em 1.986 para o trabalho pastoral da Igreja Católica na cidade de Eldorado. Visitam as comunidades rurais periodicamente e iniciam com elas um estudo, uma reflexão de textos bíblicos fazendo uma relação com os problemas atuais.

Nesses encontros com as comunidades as pessoas expuseram para elas sua preocupação com relação aos projetos de construção de barragens no Vale do Ribeira. Não sabem o que pode acontecer com as comunidades quando essas barragens forem construídas.

Desses encontros formam grupos em busca das informações.

Visitaram regiões atingidas por barragens: Usina Hidrelétrica de Urubupungá, de Porto Primavera, Itaparica, Machado, Itá e outras. Conversaram com atingidos, com técnicos em energia, estudaram leis, leram jornais e artigos sobre barragens construídas e projetadas.

Em suas comunidades, os grupos informaram a todos o que viram e o que sabem sobre barragens e chegaram à conclusão que os projetos das barragens iriam trazer desgraça, tirá-los da terra, acabar com suas origens, matar suas raízes, destruir o rio, a fauna, a flora e as comunidades. O único objetivo seria beneficiar um grupo financeiro.

Surgiu então a primeira mobilização contra barragens, em 1.989.

A voz foi unânime: “não queremos barragens no Vale do Ribeira”.

Foi então formada a primeira Comissão para articular os municípios e as comunidades ameaçadas. Era o Movimento das barragens. O ano 1.990.

Nesse ano de 1.990 chega em Eldorado, Ir. Angela Biagioni para integrar o grupo das Pastorinhas.

Ir. Angela e Ir. Sueli assumem com as comunidades o compromisso de perseverar na busca de informações, de ajudá-los na formação de lideranças, na conscientização e organização das pessoas contra todos os projetos que possam ameaçar a vida.

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    conversam com técnicos em energia
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    conversam com atingidos
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    em suas comunidades informam a todos o que viram e o que ouviram
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    A voz é unânime: “Não queremos barragem no Vale do Ribeira”
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CRIAÇÃO DO MOAB

A organização da luta contra as barragens foi crescendo. Não se restringiu apenas às comunidades de Eldorado. Comunidades de outros municípios como de Iporanga e Registro tomaram consciência da problemática e aderiram ao Movimento. Entidades também integram o movimento.

Em um encontro com as lideranças das comunidades e a Comissão Pastoral da Terra - CPT de Registro surgiu o nome do Movimento das Barragens: MOAB - Movimento dos Ameaçados por Barragens no Vale do Ribeira, nome esse sugerido por Janio Leal da Silva Chaves, assessor da CPT Diocesana. Era o dia 21 de abril de 1.991.

Além de ser a sigla do MOVIMENTO, a denominação MOAB é uma referência bíblica, embora não com o mesmo sentido que é hoje usado para designar o Movimento dos Ameaçados pelas Barragens no Vale do Ribeira. MOAB bíblico era uma cidade estado, vizinho de Israel (Povo de Deus) e eram considerados parentes. Moab era sobrinho-neto de Abraão, patriarca de Israel.

Como o nome bíblico, MOAB - Movimento dos Ameaçados por Barragens pode ser considerado parente do Vale do Ribeira. É parente porque é formado em sua maioria por pessoas da mesma região que defendem a vida, a preservação de sua população e o meio ambiente; auxilia as comunidades na regularização da terra, a valorização da pessoa e da cultura, busca a melhoria da saúde, da educação, geração de renda é alternativa econômica. O MOAB - Movimento dos Ameaçados por Barragens é parente do Vale do Ribeira, porque se dispõe a lutar juntos com todos os grupos que defendem a vida, “para que todos tenham vida e vida em abundância.”

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O MOAB foi criado com o objetivo de organizar a resistência contra a construção de barragens na Bacia do Ribeira de Iguape nos Estados de São Paulo e Paraná

Da ameaça de destruição, à força para a libertação

Em suas visitas a diversas comunidades do município de Eldorado, chamou a atenção das Irmãs Angela e Sueli o fato de existir grande número de pessoas negras, bem como a localização de várias comunidades em lugares muito afastados, no interior da mata, em locais de difícil acesso. Então perguntava-se:

Poderiam ter sido essas comunidades no passado antigos quilombos?

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A Comunidade e circunvizinhas reuniram-se para estudar sua história. Nas fotos o segundo encontro de 1.993

Preocupadas com o destino de numerosa população a ser atingida por projetos de construção de hidrelétricas na região, cujas consequências sociais seriam funestas, como ocorreram em outras barragens no Brasil onde foram desalojadas muitas pessoas provocadas pela desorganização familiar, pela necessidade de terras, pela privação da alimentação, falta de escolas, falta de trabalho, falta de atendimento médico, falta de assistência social, enfim um quadro social lastimoso para as famílias e as comunidades que há séculos encontram-se estruturadas no Vale do Ribeira, as Irmãs Ângela e Sueli decidiram obter informações para encontrar uma possibilidade de socorrê-los.

As pessoas após trazerem essa problemática esperavam delas uma resposta de como ajudá-las, pois sentiam-se impotentes, sem saber que atitude tomar, sem saber ao menos por onde começar.

As Irmãs também inicialmente não tinham a menor noção de como ajudar, apenas a decisão de fazê-lo.

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Ir. Angela a caminho em visita a Comunidade. São sucessivas as visitas

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Visitando comunidade de Jurumirim em Iporanga

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Ir. Angela com mulheres em Pilões

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Ir. Sueli em reunião com moradores de diversas comunidades no município de Iporanga

Entra em cena a advogada Dr. Michael Mary Nolan, que as Irmãs conheceram no Fórum de Eldorado na ocasião do julgamento judicial de um fato criminal e por força da mesma visão da vida, travam amizade.

A Dra. Michael lembra às Irmãs que na Constituição Federal promulgada em 1.988 há um artigo que protege as comunidades remanescentes de quilombos.

Estudam então os artigos 214 e 215 da Constituição Federal de 1.988 e o artigo 68 da Disposições Transitórias que garantem o direito à terra, à prática de seus costumes e a proteção dos sítios históricos e arqueológicos.

A Equipe do MOAB começou então a instruir as comunidades que podiam ser enquadradas por essa lei sobre o reconhecimento legal de suas terras, cuja titulação lhes garantiria uma indenização no caso dos Projetos de Barragens se concretizarem.

A Equipe do MOAB aprofundou os estudos político, agrário e étnico da questão para que as comunidades fossem reconhecidas como Remanescentes de Quilombos e assim protegidas pela Constituição Federal.

Foram muitas visitas, reuniões, debates e estudos com as comunidades para a conscientização das consequências que seriam produzidas pela construção das barragens.

Ao mesmo tempo em que iam conscientizando a população, os líderes tomavam consciência de que não bastaria apenas assegurar o domínio da terra. Era necessário garantir-lhes a sobrevivência. Um trabalho de valorização da vida, um resgate de toda sua história, sua cultura, a possibilidade de mudança de condição de vida, de recuperação da cidadania.

A partir dessa compreensão foi iniciado um intenso programa de formação e valorização das raízes locais. Com isso, lideranças e comunidades foram desenvolvendo uma consciência sócio-politica compreendendo as razões da existência no Brasil da escravidão e de tantos preconceitos, discriminação e marginalização dos negros.

Iniciaram um trabalho de resgate, valorização e auto- estima com Grupos de Mulheres e com as Comunidades Negras do Vale do Ribeira. Vida e resistência dos antepassados passaram a ter grande significado na luta presente das comunidades.

Mas ao procurarem o recurso legal, para o reconhecimento, as comunidades se viram diante de uma questão nova: a exigência de um laudo técnico-científico que provasse antropológica ou etnologicamente serem Comunidades Remanescentes de Quilombos, conforme explicitado no Artigo 68 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federativa do Brasil de 1.988.

Assim cresceu a preocupação das Irmãs Sueli e Ângela para iniciar um estudo sobre essas Comunidades para serem reconhecidas como Remanescentes de Quilombos. Não possuíam dinheiro e nem conheciam alguém que pudesse fazer esse trabalho.

E era um povo, que precisava da iniciativa de alguém, de uma assessoria que o ajudasse a valorizar sua cultura tão negada, desprezada, minimizada e marginalizada: um povo que precisava de gente que caminhasse com ele na busca da tão sonhada felicidade. Felicidade essa que aqui no Vale do Ribeira se traduz simplesmente em terra reconhecida e titulada para garantir comida na mesa, educação para os filhos, o lazer que é cantar, fazer festa e dançar.

Elaboraram então um projeto em nome da MITRA DIOCESANA DE REGISTRO.

“EM DEFESA DE 2 MIL FAMÍLIAS AMEAÇADAS DE PERDEREM SUAS TERRAS E DE OUTRAS 100 MIL PESSOAS QUE SOFRERÃO CONSEQUÊNCIAS PELA CONSTRUÇÃO DE HIDRELÉTRICAS NO VALE DO RIBEIRA- SÃO PAULO - BRASIL”

Enviam o Projeto à CÁRITAS REGIONAL DE SÃO PAULO que pede apoio à CÁRITAS FRANCESA.

Vida e resistência dos antepassados passam a ter grande significado na luta presente das comunidades.

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Reconstrução da Igreja do Quilombo de Porto Velho. A força dos pobres é grande